Algo de muito perigoso aconteceu em Portugal
Quem me conhece pessoalmente, ou quem me segue nas várias redes sociais, sabe que eu não tenho por hábito comentar o estado actual da nossa política, ou mesmo da nossa sociedade.
Eu acho que a Internet é extremamente útil para difundir informação, mas não tanto para debater ideias a fundo. Para isso nada melhor que uma conversa cara-a-cara.
Mas esta semana aconteceu algo que eu considero extremamente perigoso, e sobre a qual estou verdadeiramente preocupado. Não tanto pelo perigo da situação em si, mas pelo perigo potencial de se seguir caminhos destes.
Na passada segunda-feira (02-03-2015) saiu esta notícia no Publico com o título “Acesso ao Pirate Bay proibido em Portugal”.
E por esta altura devem estar a dizer, mas com tantos problemas que este país tem, porque raio é que proibir o acesso a um site de torrents (tecnologia de partilha de ficheiros entre utilizadores, mais utilizada para pirataria) é algo de perigoso.
E efectivamente isso em si não é muito perigoso, o que é perigoso é que um tribunal Português aceitou uma providencia cautelar posta contra as operadoras de telecomunicações (Meo, Nos, etc…) para que eles simplesmente bloqueiem o site.
Mas antes de continuar quero deixar algo muito claro, eu sou totalmente contra a pirataria. Mais, eu considero que a forma como lidamos com este fenómeno na nossa sociedade vai-nos trazer problemas complicados. Basta ver que existe actualmente uma geração inteira de pessoas que acha que não é necessário pagar para consumir conteúdos lúdicos. Quanto essa geração estiver ao leme da economia vão existir complicações graves. Mas esse facto não serve como justificação para a tomada de decisões desmioladas.
Para terminar o tópico da pirataria, acrescento somente que eu consigo aceitar uma excepção. O acesso a conteúdos de conhecimento / educação devia ser livre e grátis. Não faz qualquer sentido que para se aceder a um jornal cientifico se tenha de pagar centenas ou milhares de dólares. Já para não falar na forma arcaica como em Portugal se obriga a todos os alunos da escolaridade obrigatória a comprar livros a preços exorbitantes e sem qualquer forma de actualização decente de conteúdos.
Mas voltemos à notícia. Esta decisão revela vários problemas profundos.
Por um lado revela que no nosso sistema judicial está completamente inadaptado para lidar com a sociedade digital, visto que esta decisão mostra claramente um desconhecimento profundo de como funciona a internet. Basta ver este post no Pplware para perceber como é fácil técnicamente ultrapassar o bloqueio.
Por outro o simples facto de se aceitar um pedido por parte de entidades como a Gedipe e a Audiogest, que essencialmente estão a dizer que não têm capacidade para fazer a prevenção e fiscalização que é suposto fazerem, é claramente colocar o interesse de mediatismo privado acima do bem público. Com esta decisão a única coisa que se ganhou foi estas entidades poderem abrir o caminho para mais pedidos do género. O próprio director da Gedipe o disse ao Público:
“Se os operadores não quiserem enveredar por essa solução, teremos de avançar, nos tempos mais próximos, com providências cautelares para barrar várias dezenas de sites que promovem a partilha de conteúdos piratas”
A censura da Internet começou em Portugal 🙁 .
Nós somos uma país de brandos costumes, e quando vemos no telejornal notícias sobre como os meios de comunicação são controlados por regimes ditatoriais o nosso cérebro não é capaz de registar a verdadeira dimensão do problema. Mas com a forma como as posições dos vários agentes geo-politicos se estão a colocar esta pequena decisão pode tornar-se num grande e grave problema.
É claro que continuamos com vários outros problemas em Portugal, e temos de trabalhar para os resolver, mas este assusta-me particularmente porque acho que a nossa sociedade não compreende a sua verdadeira dimensão. E talvez por isso mesmo eu tenha quebrado a minha regra de não falar destes tópicos por aqui, mas acho que são verdadeiramente importantes, e espero que esta minha abordagem pelo menos faça alguém parar e pensar. Se isso acontecer já valeu a pena.
O que pensam desta situação? Concordam ou acham que estou a fazer um filme maior do que ele é na realidade?
Amanhã a programação habitual continua 🙂 se não meterem uma providencia cautelar para os operadores bloquearem este blog 🙂
Viva Ricardo!
Como dizes discutir ideias é sempre muito mais fácil frente-a-frente do que através de blogs e foruns, mas aqui vai a minha opinião.
Com os preços que se fazem no nosso país penso que a pirataria, para consumo próprio,é muito útil para que se continue a consumir cultura, visto que os canais abertos pouco oferta têm. Ainda mais quando se fala de conteúdos de conhecimento e educação.
Tanbém acho que visto que em Portugal os preços que se praticam nas telecomunicações são muito superiores aos praticados no resto da Europa, logo, penso que as empresas de telecomunicações podiam muito bem contribuir com uma parte dos enormes lucros que têm.
Eu pessoalmente consumo filmes e séries em sites online, mas já pago €6,99 por mês para usar o Spotify(Música), faço a minha pequena contribuição.
Espero sinceramente que não cheguemos mesmo à censura na Internet, mas tal como dizes há sempre maneira de dar a volta à coisa, até ver!
Abraço
Olá André
Os preços da industria de conteúdos é algo que efectivamente pode e deve ser debatido. Até porque na era digital torna-se difícil continuar a argumentar com custos de produção e distribuição.
Mas isso é um aparte, o perigo aqui vai muito além do bloqueio de sites indicados como de auxilio à pirataria. Existindo precedentes só falta um advogado habilidoso para levar este tipo de decisões para outras áreas.
E com esta decisão censura já existe. Esta decisão basicamente diz que qualquer cidadão português que quisesse ir ao Pirate Bay é culpado de pirataria e como tal tem o seu acesso bloqueado.
No fundo e bem resumido, é isto:
“o perigo aqui vai muito além do bloqueio de sites indicados como de auxilio à pirataria. Existindo precedentes só falta um advogado habilidoso para levar este tipo de decisões para outras áreas.
E com esta decisão censura já existe. Esta decisão basicamente diz que qualquer cidadão português que quisesse ir ao Pirate Bay é culpado de pirataria e como tal tem o seu acesso bloqueado.”
tal como já aconteceu com os suportes físicos que agora pagam imposto.
Exacto, se bem que o imposto sobre dispositivos de armazenamento pelo menos foi uma decisão do governo, o que a torna mais simples de revogar.
Um precedente legal nunca vai desaparecer, e parece-me que vai ser usado à exaustão.
Espero estar enganado
Caro Ricardo Gomes estas medidas não terão qualquer impacto nos hábitos da maioria dos portugueses. As pessoas simplesmente irão procurar formas de desbloquear o acesso ao Piratebay e a outros websites do género.
Existem 1001 maneiras para o fazer, com o recursos a proxies ou até a VPN’s http://portugaltech.net/como-aceder-websites-bloqueados/
Laura, sim claro, a pirataria não muda em nada por causa disto, o que muda e é bastante mais grave é que o nosso sistema judicial já emitiu ordens para os operadores bloquearem sites.
Imagina (e isto é claramente um absurdo por enquanto) que algum advogado com excelentes capacidades de retórica consegue convencer um juiz que um site que fala sobre uma determinada orientação política / religiosa é nocivo para a sociedade. Esse site pode simplesmente ser bloqueado, e enquanto que quem usa o pirate bay por norma é conhecedor suficiente da tecnologia para ultrapassar o bloqueio, o comum português já pode não ser. E simplesmente não consegue chegar a esse site. Isso é verdadeiro perigo. E nem precisamos de ir para as coisas mais polémicas, imagina que uma empresa consegue uma providência cautelar deste género para um concorrente, com a velocidade no nosso sistema legar esse concorrente vai à falência antes de conseguir revogar a decisão.
Caro Ricardo
Pessoalmente acho que o filme é menor que a realidade!
A problemática está intimamente ligada à renúncia de debate politico alargado, enquanto não alcançarmos renunciar à qualidade do debate cara à cara, continuarão a “roubar as nossas flores, invadir os nossos jardins, matar os nossos familiares, conduzir-nos à escravatura” (Autor russo cujo nome não recordo no momento)
“O castigo dos que se recusam a envolver-se politicamente é serem governados por quem lhes é inferior” Bertold Brecht.
O que se passa é que os “donos” vão avançado com as “brincadeiras” e nós sociedade e Soberano, parece-mos um bando de galhinhas a esgaravatar cada qual para seu lado 🙁
Enquanto individualmente não compreendermos que temos que unir forças contra a injustiça venha ele de que quadrante vier, por de parte interesses pessoais, por amor da Justiça, continuaremos a apanhar na cabeça todos os dias!
Valdemar, concordo contigo que nós (portugueses) devemos participar mais e de melhor forma na nossa política. Mas eu considero que o problema principal aqui é que esta notícia não é de cariz politico, mas judicial. E isso implica diferenças substanciais. Se por exemplo isto fosse aplicado por decisão do governo eu acho que existia menor perigo de ser mal utilizado no futuro.
Mas lá está, espero estar enganado.
Corrijo *parecemos*